Meu pai
Clotilde Tavares | 9 de agosto de 2009Tenho muito orgulho do meu pai. Houve uma época de rebeldia na minha juventude em que eu detestava ser conhecida como “a filha de Nilo Tavares”, na Campina Grande meio provinciana da década de 1960. Mas isso passou. Adulta, sempre me orgulhei disso, principalmente em um dia em que ele, em Natal, cidade em que eu morava e onde pouca gente o conhecia, me disse cheio de orgulho: “Eu adoro quando me chamam ‘o pai de Clotilde'”. Abaixo, uma notícia e fotos dele e de sua vida, neste Dia dos Pais. Este texto já foi publicado no meu livro Coração Parahybano (baixe grátis clicando no link da coluna à direita) e n’A União.
Jornalista, poeta, boêmio, Nilo Tavares nasceu em 1913, em Maceió, Alagoas, e veio ainda muito pequeno para Recife, com os pais, o jornalista e poeta Fernandes Tavares e Clotilde Pereira Tavares, do lar, mas também dada a fazer versos e tocar violão. Seus outros irmãos, todos dedicados às letras, eram Stélio, Nabuco e Cláudio, e as mulheres Amelina, Cândida e Luísa. Uma das coisas de que eu mais gostava, ainda adolescente, era ouvir o relato das aventuras dele quando rapaz jovem, em Recife, aprontando palhaçadas nos bairros da Torre e Madalena, onde morou. Através do meu pai vinha toda aquela vida das décadas de 1930 e 1940, da boemia, da poesia, dos encontros no bar Savoy, das histórias da revolução de 1930.
Papai tinha apenas o curso primário. Era autodidata em tudo o que fazia e isso para ele era motivo de orgulho. Desde jovem fez todo tipo de coisa: foi gráfico, escreveu para jornais, fez versos de encomenda e finalmente, como secretário da Prefeitura de Angelim, Pernambuco, conheceu Cleuza Santa Cruz Quirino, minha mãe, com quem casou em 1941. Vieram para Campina Grande em 1946, onde ele trabalhou como tipógrafo na Livraria Pedrosa, e depois redator das Rádios Borborema e Cariri e posteriormente do Diário da Borborema. Ocupou a cadeira numero 27 do Clube Literário de Campina Grande, cadeira cujo patrono era Emílio de Menezes, militou intensamente nos meios esportivos locais, não apenas como comentarista esportivo de rádio e jornal, mas também como admirador e eventual membro de diretoria do Paulistano Esporte Clube e Treze Futebol Clube.
Por três vezes candidatou-se à Câmara de Vereadores, não tendo sido eleito: em 1951 pelo PSB, em 1963 e em 1968 pelo MDB. Na terceira tentativa, aproveitando as pichações de “vote nulo”, mandou pichar um “i” por cima do “u”, ficando “Vote Nilo”. Foi quando teve mais votos. No final da década de 1950 tornou-se secretário executivo da Federação das Indústrias do Estado da Paraíba, onde permaneceu vários anos, até ser convidado para secretário da recém-criada Faculdade de Ciências Econômicas (FACE) da Universidade Federal da Paraíba, tendo permanecido nesta função até 1970. Depois foi chefe de gabinete do Reitor Antonio Lucena, na Universidade Regional do Nordeste (URNe), atual UEPB, e permaneceu nesta posição durante três reitorados sucessivos da Universidade: Antonio Lucena, Luís Almeida e José Figueiredo.
Aposentou-se por invalidez em 1980, após sofrer um AVC. Aí, dedicou-se ao seu passatempo predileto, o charadismo, tendo sido um dos membros mais ativos da TERNOR (Tertúlia Nordestina). Publicou em edição independente as coletâneas de versos intituladas “Minha Vizinha Ivete” e “Sonetos de Natal e Outros Poemas”. Em 25 de março de 1983 assumiu a cadeira número 25 da Academia de Letras de Campina Grande, cadeira cujo patrono era o compositor Rosil Cavalcanti. Fez parte de numerosas associações, entre elas o Rotary Club de Campina Grande e Associação Campinense de Imprensa.
Quando Mamãe faleceu, em dezembro de 1997, levei-o para minha casa em Natal. Durante quase um ano e meio, até sua morte em maio de 1999, desfrutei do privilégio de tê-lo junto a mim, já velhinho, esclerosado, esquecido das coisas. Seus súbitos lampejos de consciência, que por vezes perduravam alguns dias, lhe faziam recitar sonetos e mais sonetos e contar histórias antigas. Eu entrava no quarto à noite pé ante pé para ver se ele estava bem e o encontrava sussurrando. “O que é, Papai? Está falando o quê?” “Estou recitando”, dizia ele.
Às vezes me confundia com sua própria mãe, de quem herdei o nome e alguma parecença física. Eu dizia: “Não, papai, eu sou Clotilde, sua filha.” E ele respondia: “Não! Clotilde, a minha filha, é uma meninazinha lourinha, bem bonitinha, que quando eu chego em casa ela põe as mãozinhas na cintura e dança contente dizendo: Papai chegou, papai chegou!”
Pois é essa meninazinha lourinha que lhe manda hoje um beijo, Papai. Um beijo grande, cheio de luz, de tanta luz quanto a luz das estrelas entre as quais o sr. hoje habita, e que devem estar todas ao seu redor, enquanto o sr. recita seus poetas preferidos: Olavo Bilac, Castro Alves, Emílio de Menezes, Carlos Penna Filho. Feliz Dias dos Pais.
Linda homenagem minha querida amiga. Muitas saudades deste grande amigo que aprendi muito com ele, mesmo em pouco tempo que passamos juntos. Saudades!
Quero ler vc o tempo todo, Tide. Vc é quem mais me emociona, de tod@s que escrevem. O poema, em prosa, que vc escreveu prá ‘seu’ Nilo é brilhante. Meu pai e ele foram amigos. Conterrâneos também: de Alagoas e de Campina Grande. Meu pai, Ranulfo, nasceu em 1906. Boêmio também, habitué da Fruteira de seu Cristino Procópio…
[…] haver escrito um livro. A cadeira do qual foi patrono e fundador foi depois ocupada por meu pai, o jornalista e poeta Nilo Tavares, coisa que muito nos gratificou. Rosil Cavalcati é o autor de “Moxotó”, cuja letra é um […]
Tide,
Parabém pelo sucesso e reconhecimento do seu blog.
Bonito trabalho, você é mesmo nota 10!
Mais uma vez, quando, em meio a tantas petições a elaborar, resolvo dar uma respirada e arejar a cuca, acessando seu blog, em poucos minutos faço uma viagem fantástica no tempo e na emoção de doces lembranças.
A sua homenagem a Tio Nilo está tocante, linda… Estou certa de que chegou até ele, em letras de luz viva, assim como o beijo da menininha lourinha.
Pensando nele, me vi no alto Branco, sentada ao lado da sua cama, com um dicionário na mão, escolhendo as palavras mais difíceis para que ele me dissesse o significado delas, gênero e grau, sem que errase uma! Eu ficava maravilhada. Acredito mesmo que ele conhecia todo o conteúdo daquele “Pai dos Burros”!
Foi ele quem me atribuiu o apelido mais lindo e carinhoso que recebi até hoje:
Morena Flor. Muitas vezes criava versos enquanto eu ficava ao seu lado, encantada com tanto talento e conhecimento. Quando ele ainda não tinha adoecido, ou melhor, até o começo da sua doença, travávamos verdadeiros “pegas” quando ele fazia pouco da minha fé em Deus e eu sempre terminava dizendo algo do tipo: O senhor não sabe, mas Ele nem se incomoda com o que o senhor diz, pois o que importa pra Ele é o que o senhor faz. E o senhor é uma pessoa tão boa… Ele retrucava, dizia que eu era boba e eu saia de perto pra não fazer “malcriação”. Um dia, quando ele estava bem fraquinho, fisicamente, fui à Campina Grande, matar um pouquinho da saudade que sentia dele e de Tia Cleuza. Ao chegar, fui logo falar com ele e me chamou a atenção um brilho diferente que havia no seu olhar. Ele sorriu pra mim e pediu que eu pegasse umas anotações que estavam na mesinha, dentro de um livro. Mandou que eu lesse e ficou quieto esperando o resultado. Não pude segurar as lágrimas. Parecia que ele estava advinhando que eu ira lá e queria muito me mostrar aquele soneto. Era um soneto de Natal, no qual ele enaltecia o Cristo, com tamanho carinho e gratidão, como poucas vezes pude ver. Algum tempo depois alguém providenciou para que o soneto fosse impresso e eu recebi uma das cópias. Guardo-a comigo até hoje. É lindo!
As vezes penso nele quando chegava aqui em Recife, com o carro cheio, na maior alegria. Uma das vezes isso aconteceu tarde da noite, no Hipódromo, e quando o carro parou ele desceu cantando bem alto: “Sapo não lava o pé, não lava o pé porque não quer…” E tome conversa até as tantas…
Conviver com ele era algo enriquecedor.
Que Deus a abençoe onde quer que se encontre neste momento! Que ele receba o abraço carinhoso da “Morena Flor”.
Que Deus abençoe também a sua vida, Tide! Você merece!
Senti grande emocao ao ler sua homengem ao seu pai. Com certeza os beijos ele recebeu e continua a recitar as poesias…
Voce e encantadora!
beijos,
Cinara
Olá Clotilde, a crônica sobre seu pai me deixou muito emocionada, foi uma pessoa marcante para mim e para minha família, bem como tua mãe com quem trocava livros. Acredito, como vc diz , que falta família mesmo pois meus pais eram semi-alfabetizados e escola para nós era questão de honra para eles. Sempre nos incentivaram e apoiaram e insistiram o que foi muito bom. Acabei fazendo a mesma coisa com meus filhos embora jurasse de pé juntos que não iria ser igual a eles. Tive a grata surpresa de escutar de meu filho mais novo Thiago a afirmação de que iria educar os seus filhos como nós os educamos, porque nos achou muito bons e corretos. Vendo vc falar de seu pai como fala é muito bom, mostra quão harmoniosos vocês eram. Bj
VejaBlog
Seleção dos Melhores Blogs/Sites do Brasil! http://www.vejablog.com.br
Parabéns pelo seu Blog!!! Umas & Outras
Você está fazendo parte da maior e melhor seleção de Blogs/Sites do País!!!
– Só Sites e Blogs Premiados – Selecionado pela nossa equipe, você está agora entre
os melhores e mais prestigiados Blogs/Sites do Brasil!
http://www.vejablog.com.br/blog
Um forte abraço,
Dário Dutra